Você sabia que Seul já foi uma cidade cercada por uma muralha? A imagem que ilustra o post[1] alimentou minhas fantasias por muito tempo. Foi tirada pelo jovem oficial da marinha americana George Clayton Foulk entre 1885 e 1886. Foulk passou três anos, entre 1883 e 1886, na Coréia e viajou mais de 1400km num gama (liteira coreana). Esta foto retrata o sudoeste de Seul com direito a vista do Grande Portão do Sul (Namdaemun). A muralha pode ser vista serpenteado a cena em segundo plano até sumir. Impossível não sentir-se transportado àquela época.
Através de fotos históricas, mapas e textos introduzo a história da muralha e seus portões. Se já a conhecer ou tiver preguiça de ler, sugiro ir direto ao tópico Caminhando pela muralha, onde dou as coordenadas para se chegar aos trajetos e caminhar.
Um pouco de história
No ano de 1392 chegava ao poder o rei Taejo dando início à dinastia Jeoson (1392-1897), a mais longeva das dinastias coreanas. Em 1394 a capital fora movida de Kaesong (na atual Coréia do Norte) para Hanyang (atual Seul). Para proteger a cidade em 1396 o rei ordenou que a cidade fosse murada. Aproveitando as montanhas que circundavam a cidade (Monte Namsan, Monte Naksan, Monte Bugaksan e Monte Inwangsan) a muralha de 18,6km foi erguida. À época era chamada de Hansung (han era parte do antigo nome de Seul, Hanyang, e sung significa muralha). Para controlar a entrada e saída da nova capital, oito portões também foram construídos. Destes, quatro baseados nos pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste) e outros quatro nos pontos colaterais (sudeste, sudoeste, nordeste e noroeste).
Observe o mapa. A muralha está pintada de amarelo, as quatro montanhas que cercam a cidade em laranja fraco e os oito portões em laranja vívido. O norte é a parte de cima do mapa.
Repare que interessante a ilustração acima. É uma recriação de Hanyang com sua muralha (Hansung) e relevo. O mapa está virado, sendo o lado esquerdo o norte e o direito o sul (é possível ver os guardas nos bongsudae – as chaminés sinalizadoras. Confira mais sobre elas no post sobre o Monte Namsan. As montanhas naturalmente circundam a cidade. O que o rei Taejo fez foi uni-las com uma muralha. Note também que dos oito portões originais dois foram destruídos (ambos são os primeiros de baixo para cima, do meio para a direita).
A muralha passou por duas grandes transformações e um reforço. Sua primeira versão era de barro com alguns trechos de pedra. Após 27 anos da sua construção o rei Sejong, neto do rei Taejo, teve a missão de transforma-la numa muralha de pedra. Com a força de 320.000 trabalhadores e 2.200 técnicos ele acrescentou ameias, paredes internamente reforçadas e estruturas semi circulares de defesa. A obra foi concluída em 1422. A segunda grande intervenção aconteceu em 1704 e foi conduzida pelo rei Sukjong, após ser danificada durante guerras e a invasão japonesa no século XVII. Em 1743, sob o comando de um outro rei a fortaleza recebeu reforço estrutural.
Desde a sua concepção em 1396 a fortaleza passou por reformas e constante preservação. Com o crescimento de Seul durante a colonização japonesa, partes da muralha foram derrubadas para a construção de estradas, linhas de bonde e expansão da cidade. Hoje restam 12km da muralha e há projetos para a reconstrução de um dos portões derrubados (o Grande Portão do Oeste).
No mapa acima é possível acompanhar a situação atual da muralha. Dos originais 18.6km há 12km entre original e restaurado.
Já neste mapa a área circunscrita pelos pontilhados brancos representa a atual cidade de Seul. Dentro, em laranja, é possível ver por onde passa o trajeto da muralha de Hanyang (atual Seul). Perceba quanto a cidade cresceu! – a linha preta indica uma trilha percorrida, desconsidere-a.
Os portões de Hanyang (Seul)
Os portões de Seul foram erguidos entre 1396 e 1398 no curso da muralha durante a Dinastia Jeoson. Dos oito portões, quatro foram baseados nos pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste) e são conhecidos como os Quatro Grandes Portões (Sadaemun – 사대문). Os quatro restantes, foram baseados nos pontos colaterais (nordeste, noroeste, sudoeste e sudeste) e são conhecidos como os Quatro Pequenos Portões (Sasomun – 사소문). Atualmente dois oito portões dois (oeste e sudeste) não existem mais. Em fevereiro de 2008 o Grande Portão do Sul (Namdaemun) foi criminosamente incendiado. Ele é considerado o tesouro número 1 da Coréia do Sul. Por sua importância cultural e histórica foi reconstruído e em 2013 reinaugurado. Há planos para a reconstrução do Grande Portão do Oeste, contudo nada oficial sobre o início das obras.
Quando estive por lá reparei que a ordem dos ideogramas que dão nome aos portões diverge. Para os que gostam de ideogramas, ou simplesmente estão curiosos sobre os mesmos, note que o hanja (ideograma) é às vezes lido da direita para a esquerda, e da esquerda para a direita em outras vezes. De fato, o ideograma de portão (mun, 門) pode tanto aparecer de um lado quanto do outro.
Outra curiosidade é que há dois nomes para cada portão, quando não mais. Um é seu nome descritivo que indica a localização e o seu tamanho (grande, pequeno, norte, sul, leste, oeste, nordeste, noroeste, sudeste e sudoeste); e a outra é um nome honorífico, que expressa uma qualidade desejada.
Os quatro Grande Portões
Grande Portão do Sul – Namdaemun 남대문 (南大門)
Portão das Cerimônias Exaltadas – Sungnyemun 숭례문 (崇禮門)
Grande Portão do Norte – Bukdaemun 북대문 (北大門)
Portão do Reinado Solene – Sukjeongmun 숙정문 (肅靖門)
Grande Portão do Leste – Dongdaemun 동대문 (東大門)
Portão da Benevolência Ascendente – Heunginjimun 흥인지문 (興仁之門)
Grande Portão do Oeste – Seodaemun 서대문 (西大門)
Portão da Lealdade – Donuimun 돈의문 (敦義門)
Os quatro Pequenos Portões
Pequeno Portão do Norte (Noroeste) – Buksomun 북소문 (北小門)
Portão da Demostração do Ideal – Changuimun 창의문 (彰義門)
Pequeno Portão do Leste (Nordeste) – Dongsomun 동소문 (東小門)
Portão da Distribuição da Sabedoria – Hyehwamun 혜화문 (惠化門)
Pequeno Portão do Sul (Sudeste) – Namsomun 남소문 (南小門)
Portão da Luz Brilhante – Gwanghuimun 광희문 (光熙門)
Pequeno Portão do Oeste (Sudoeste) – Seosomun 서소문 (西小門)
Portão da Promoção da Justiça – Souimun 소의문 (昭義門)
Caminhando pela muralha
É possível caminhar pelos 12km restantes da muralha. De fácil acesso e com trilhas agradáveis é um passeio imperdível para quem visita Seul.
Há quatro trecho que percorrem as quatro montanhas que cercam a capital. Abaixo, cito-os começando do de maior facilidade de acesso e menor esforço físico e indo até o mais remoto e cansativo.
Namsan
Este é um dos trechos urbanos onde a forma original da muralha é melhor preservada. O caminho entre o Portão de Sungnyemun via Torre de Seul e o Teatro Nacional é onde a história e natureza parecem se fundir ao cenário da moderna capital.
Como chegar?
Chegar ao Namsan é bem fácil. Desça na estação de metrô Myeongdon, saída 3. Suba a rua e chegue até o teleférico. Embarque e desça já no Namsan. Há partes da muralha que podem ser visitadas no caminho do teleférico para a Torre de Seul. Conheça-a e de quebra, conheça as atrações do Monte Namsan: a muralha, o bongsudae, a Torre de Seul e o pavilhão octogonal. Confira o post sobre estas atrações. Depois, pegue a trilha e siga em direção ao Teatro Nacional da Coréia do Sul. De lá, conheça outro trecho com partes da muralha. Este trecho é o retratado na foto acima. Ao acabar, vire à esquerda e encontre a estação de metrô Dongguk University, saída 5. É possível fazer o caminho reverso.
Legenda: muralha, caminho de acesso, rota do teleférico.
Naksan
O Monte Naksan é uma trilha fácil de fazer. A muralha neste percurso conta com diversos tipos de pedras, colocadas em distintos períodos da sua construção. A iluminação ao longo do trajeto torna o lugar ainda mais bonito durante à noite.
Como chegar?
O acesso à montanha pode ser feito por três estações de metrô: Dongdaemun saída 10, Hyehwa saída 2 ou Hansung University saída 3.
Legenda: muralha, caminho de acesso.
Bugaksan e Ingwansan
Este é o caminho mais longo, que exige maior empenho físico e logístico. E também o mais interessante. Há partes em que só se avistam as rochas carecas, e o zigue-zague da muralha a avançar nas montanhas. O trajeto do Monte Bugaksan abriu ao público em 2007. O trecho que vai do Malbawi e o Portão de Changuimin ainda tem um acesso limitado. Durante o verão os visitantes são permitidos das 9 da manhã até às 16h. Durante o inverno das 10h às 15h. Esta parte é fechada às segundas-feiras, e às vezes às terças-feiras quando um feriado nacional cai na segunda-feira. Para atravessar esta seção da muralha é necessário apresentar o passaporte e preencher um formulário na área de descanso do Portão Sukjeongmun. Identificação feita, o visitante recebe um crachá com uma fita de pescoço que deve ser mostrado nos pontos de conferência durante a trilha – aproximadamente a cada 200m. Importante: em partes deste trecho é proibido tirar fotos por motivos de segurança. De cima, é possível avistar a Casa Azul (Cheongwadae – 청와대), a residência oficial do presidente sul coreano.
Como chegar?
Saia pela saída 5 da estação de metrô Hansung University. Passe na frente do Portão Hyehwamun e siga pela rua até encontrar a entrada da muralha. Siga o percurso até chegar ao Portão Sukjeongmun, onde será necessário fazer sua identificação. Este caminho termina ao chegar no Portão Changuimin. De lá é possível pegar um ônibus e retornar ao centro de Seul, ou seguir caminhando pelo Monte Ingwansan. Sugiro fazer as caminhadas em dias alternados.
O ponto de partida para o acesso ao Inwangsan pode ser o ponto final da caminhada do Bugaksan, no Portão Changuimun. A incrível vista do topo da montanha de granito vale a caminhada.
Como chegar?
O Ingwansan tem algumas opções de acesso, dependendo do quanto se quer conhecer. Uma delas pode ser o Portão Changuimun, acesso de ônibus; outra pode ser a saída 2 do metrô Muakjae; ou até mesmo a saída 1 do metrô Gyeongbokbung.
Legenda: muralha, caminho de acesso.
Se o clima for favorável, tiver disponibilidade física e de dias, recomendo que percorra os quatro trechos.
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Referências e Notas Explicativas