Visite o Monte Koya, um dos lugares mais sagrados para o budismo japonês; durma num templo centenário e caminhe pelo maior cemitério do Japão. Há muita energia boa circulando neste lugar. É impossível não se sentir tocado de algum jeito. O Viver a Viagem esteve lá e conta tudo para você.
O Monte Koya era um dos lugares que mais queria visitar enquanto planejava a viagem ao Japão. Não tenho religião mas tamanha importância para o budismo e o seu valor histórico me fascinaram.
Muitos peregrinos começam ou terminam o caminho dos 88 templos no Monte Koya. O lugar também é ponto importantíssimo do caminho Kumano Kodo – também de peregrinação. A Península de Kii é o lugar mais sagrado para o xintoísmo e para o budismo japonês – as duas religiões mais expressivas no país.
O Monte Koya é conhecido por ser o epicentro do secto shingon do budismo. Em 805 Kobo Daishi, uma das figuras religiosas mais importantes do país, chegou ao Japão. Em 826, encontrou no Monte Koya o lugar ideal para difundir seus ensinamentos.
O peregrino ou curioso que visita o Monte Koya tem a oportunidade de se hospedar num dos 50 templos que hospedam visitantes – shukubu é o nome dado a este tipo de hospedagem -, observar o cotidiano da vida monástica, degustar a culinária vegetariana dos monges e participar das orações e cerimônias dos templos. Certamente um programa cultural diferente.
Logo depois que cheguei e me instala no templo, saí para conhecer a cidade e os templos do Garan – maior complexo de templos da região. Fui avisado que o jantar é servido às 18h em todos os templos.
Fique atento ao horário!
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Por mais que eu tenha pegado o trem cedo em Osaka, cheguei logo depois do almoço. No outono o sol se põe mais cedo e precisei optar entre conhecer os templos do Garan e a cidade ou o cemitério Okunoin no primeiro dia.
Acima, principal pagode do complexo Garan.
Ao entrar em qualquer pavilhão é necessário tirar o calçado. Por falar neste hábito, ao entrar em qualquer casa japonesa você terá que tirar os sapatos. Leve calçados fáceis de serem colocados e tirados. Esteja sempre com meias sem furo. Meias mal cuidadas passam a impressão de desleixo e falta de higiene.
Por todo o Japão você encontrará essas fontes e conchas. São chamados de temizuya e são dedicadas à limpeza das mãos e bocas. Aprendi seu significado e como usá-lo no Monte Koya.
Segure a concha com a mão direita, pegue água e derrame um pouco sobre a mão esquerda. Em seguida, sem pegar mais água, segure a concha com a sua mão esquerda e jogue o resto sobre a mão direita. Mergulhe a concha e pegue mais água. Coloque um pouco de água na mão direita e enxágue a boca. Nunca encoste a concha na sua boca.
Antes de voltar para a janta, parada obrigatória para comer mochi! Mochi é um doce japonês feito de arroz e pasta de feijão azuki.
De volta ao templo, é hora de tomar banho e se preparar para o jantar. Os banheiros são compartilhados e separados por sexo. Provavelmente você tomará banho com outros japoneses. Se tiver problema com nudez em público é uma boa oportunidade para deixar de ter. Lembre-se que assim como o jantar o banho também tem hora para começar e encerrar.
Já no quarto, um monge trará o seu jantar. A culinária monástica é vegetariana e deliciosa. Por lá você pode experimentar algumas especialidades da região como o koya dofu, um tofu delicioso que é congelado e adquire uma textura cremosa.
Os quartos são tradicionais e sem luxo algum. Ou melhor, talvez seja esse o maior dos luxos. Há apenas tatami no chão, portas deslizantes e uma tomada. Para dormir, futons são colocados após o jantar.
Assim que os futons foram estendidos, recebemos duas varetas de madeira e fomos instruídos a escrever algum desejo não material. Pensei bastante e pedi por mais momentos como aquele.
Pedi por mais viagens transformadoras.
Essas varetas seriam usadas no dia seguinte durante a cerimônia do fogo. Escrevemos nossos desejos e fomos passear pela cidade à noite.
Ouvi dizer que o cemitério Okunoin ficava aberto para quem quisesse visitar. Começamos por lá, já que fica ao lado do templo. Descobri que o cemitério, de fato, fica aberto e qualquer um pode caminhar seus quase dois quilômetros entre lápides. Descobri também que muito do seu percurso carece de iluminação. Quando muito, há tochas com uma luz tão fraca como de uma vela. Leve uma lanterna consigo.
Considero-me um tanto corajoso e quando hesito, a fotografia sempre dá o empurrão final para realizar algo. Porém, confesso que foi difícil caminhar no frio, no escuro, e com névoa dentro do cemitério. Dei meia volta e deixei para conhecer Okunoin na manhã seguinte.
Segui para o centro da cidade.
Não que a caminhada até lá fosse muito diferente. Por alguns momentos a bruma ofuscava o horizonte. Os postes dispersos, e que pouco iluminam, criam bolsões de luz cercados por escuridão. Às vezes precisava acender o celular para ver o caminho até o poste seguinte.
Não havia ninguém nas ruas.
Por vezes, a única luz disponível vinha das máquinas de venda; e o silêncio era quebrado apenas pelo som do motor.
O templo acima chama-se Kongobuji e é o mais importante para o budismo shingon. Foi construído em 1593 e é um dos mais antigas da região. A estrutura é bonita para ser visitada de dia e à noite. Durante o dia é possível entrar no templo, ver a sala de cerimônias e o jardim de pedras.
As árvores na entrada do Garan são iluminadas. No outono ficam lindas e exuberantes.
Explorar o Monte Koya à noite é mágico. Parece uma cidade fantasma com tudo fechado. Após fotografar boa parte das ruas e quase se perder, voltamos ao templo e dormimos. Não foi o primeiro lugar que experimentamos dormir em futons. Mas foi lá que realmente me apaixonei por dormir desse jeito e decidi trocar minha cama em casa por um futon.
Na manhã seguinte, os hospedes são convidados a participarem da oração às 6h, com duração de 30 a 45 minutos; seguido de alguma cerimônia. Cada templo tem sua cerimônia, assim como seu tesouro e um presente exclusivo para quem se hospeda – ganhei hashis feitos por monges do templo.
Lembra dos desejos que escrevemos nas varetas na noite passada?
Assim que a oração terminou fomos convidados a participar do ritual Goma do fogo. Nesta cerimônia, o monge empilha todos os pedaços de madeira e os queima.
O fogo consagrado tem o poder de limpar a alma. O fogo simboliza a sabedoria do Buda e os gravetos os desejos humanos (a raiz do nosso sofrimento). Assim sendo, Buda queima a raiz do nosso sofrimento enquanto rezamos para que nossos desejos se tornem realidade. Uma cerimônia silenciosa e bonita.
Oração e cerimônia concluídas, voltamos ao quarto para tomar o café da manhã. Antes de partir para o cemitério aproveitamos para conhecer um pouco mais o templo.
Ao entrar no cemitério você se depara com um corredor de cedros e lápides que acompanham o caminho até o hall Torodo (ao lado do mausoléu onde Kobo Daishi medita eternamente).
Okunoin é o maior cemitério do país e muitos desejam ser enterrados alí. São mais de 200.000 lápides.
Para os budistas shingon não há mortos mas sim espíritos aguardando a salvação. Ao final do cemitério se encontra o mausoléu de Kobo Daishi, onde acredita-se que ele esteja meditando em estado profundo a espera do Buda do futuro. Quando Kobo Daishi acordar para encontrar o novo Buda os outros espíritos, igualmente em meditação, também acordarão e serão salvos.
Almejando a proximidade ao grande mestre para receber a salvação, muitos monges e até senhores feudais tiveram suas lápides erguidas ali.
Em frente ao pavilhão Gokusho há uma série de bodisatvas chamadas de Mizumuke Jizo (ou jizo coberta de água). As pessoas fazem uma oferenda, jogam água sobre elas e oram pelos seus entes falecidos.
Durante todo o percurso é permitido fotografar. Mas atenção, tendo como referência as bodisatvas, assim que você cruza a ponte Goboyonoshi é proibido fotografar, filmar e inclusive a ingerir alimentos. Respeite.
A partir desta segunda ponte fica cada vez mais próximo o mausoléu de Kobo Daishi. Ali, muita energia boa se concentra. Pura serenidade e paz interior.
O cheiro do incenso se torna forte. Orações e sutras se somam num transe uníssono. É de arrepiar. Confesso que meus olhos se encheram de lágrimas por várias vezes. Tremi sem saber explicar o que acontecia dentro de mim. Percorri toda o entorno com um nó dolorido na garganta. Um choro contido e sincero por algo que não sabia explicar, apenas sentir.
Há duas estruturas nesta área, o mausoléu de Kobo Daishi – onde acredita-se que ele esteja meditando – e o Hall Torodo, o hall principal de adoração. O mausoléu é simples e de madeira. A sua frente, muitas pessoas oram. Ao lado, o suntuoso Hall Torodo abriga mais de 10.000 lanternas.
Dizem que estão acessas há mais de 900 anos e que continuarão acesas por toda a eternidade.
Saindo do cemitério, passamos mais um dia pela cidade fotografando.
Ante de partir para Ryujin Onsen tomei matcha com mochi e assim como os peregrinos partimos para o próximo destino.
Visitar o Monte Koya mexeu muito comigo. Sentir tamanha onda de energia que me fez tremer e chorar realmente bagunçou o que eu tinha como verdade. Minha jornada ao Japão adquiria um outro significado. Ali confrontei meu grande ceticismo e descrença.
Pude dormir num templo mais antigo que a história do meu país e entender como algo tão antigo se mantém tão atual. Compreendi o luxo que é a simplicidade. A imagem da chegada ao templo não sai da minha cabeça. Descalço, percorri os corredores de madeira centenária do templo até chegar a uma sala. Sentado no tatami, estavam dois monges que olhavam as reservas num tipo de caderno antigo com folhas amareladas. Aquela cena era atemporal. Ao mesmo tempo era 2014 e 1800.
Quantos dias ficar?
Dormi duas noites no templo e passei dois dias e meio lá. É tempo suficiente para conhecer a cidade, que se desdobra em três ruas principais parecendo um ipsilon. Se você é budista ou quer conhecer melhor a religião é interessante fazer uma imersão de alguns dias e aproveitar o Monte Koya ao máximo.
Hospede-se num templo
Por ser o epicentro do shingon e estar próximo às cidades de Wakayama, Nara, Osaka e Quioto a região já está habituada a receber turistas japoneses e estrangeiros. Alguns templos oferecem até suporte em inglês.
Indico quatro maneiras para reservar a hospedagem em templos no Monte Koya: Japanese Guest Houses, Japanican, email/fax para a Associação de Turismo do Monte Koya ou até mesmo através do Booking.com.
Uma noite custa entre 9,000 e 15,000 ienes por pessoa e inclui jantar e café da manhã.
Como chegar
Há duas maneiras de chegar ao Monte Koya.
Linha privada Nankai
É a maneira mais rápida e prática de se chegar. Partindo da estação Nanba ou Shin Imamiya em Osaka, você compra um bilhete que integra o trecho Osaka>Gokurakubashi ao trecho de funicular Gokurakubashi>Koyasan. Ao chegar no Monte Koya, você precisa apenas pegar um ônibus e ir para a cidade. Este bilhete não inclui a integração com o ônibus.
Atente ao fato de existir a estação Nanba para a linha privada Nankai e a estação Nanba JR (Japan Railways). A malha ferroviária é diferente para ambas e apenas na linha JR que é possível usar o JR Pass.
Há cinco trens diretos por dia. A jornada dura 80 minutos e custa 1650 ienes o trecho. Ou ainda, é possível pegar um trem expresso para Hashimoto e lá trocar pelo trem que segue para Gokurakubashi. Esses trens saem a cada 20 minutos, levam 100 minutos e custam 870 ienes.
Em Gokurakubashi, transfira para o funicular e vá até o Monte Koya. O trajeto custa 390 ienes e dura cinco minutos. E por fim, ao chegar à estação do Monte Koya, pegue um ônibus até a estação Senjuinbashi. O trajeto dura dez minutos e custa 290 ienes.
Linha JR
Não importa muito de onde você parte, a parada mais próxima ao Monte Koya que um trem da linha JR faz é a cidade de Hashimoto. Você precisa chegar até lá, trocar para a linha privada Nankai até Gokurakubashi; de lá pegar o funicular até Koyasan; e o ônibus até a cidade.
Essa opção se justifica se você estiver com o orçamento muito apertado. A economia em optar por este trecho é de USD 10 e USD 20. Não é pouco dinheiro, mas vai consumir mais tempo e demandar maior planejamento logístico.
Tickets para economizar
Se você está usando Osaka como cidade base para os seus passeios, talvez possa ser interessante comprar um bilhete com desconto.
Combination Ticket – 2000 ienes: com este bilhete você tem acesso a todos os pontos do Monte Koya, incluindo o templo Kongobuji, o Kondo Hall e o pagode de Daito, o museu Reihokan e o mausoléu Tokugawa. Você pode também participar do serviço jukai no Daishi Kyokai. Esse bilhete especial está disponível para compra em qualquer posto de informação no Monte Koya ou nos lugares mencionados. Vale por dois dias consecutivos.
Koyasan World Heritage Ticket – 2860 ienes: – este bilhete especial está a venda nas estações de Nankai Namba, Shin-Imamiya e Tengachaya. Estão inclusas no valor, a ida, a volta, uso ilimitado do ônibus no Monte Koya e desconto na entrada do templo de Kongobuji, do museu Reihokan, do hall Kondo Hall e do pagode Daito. Esse bilhete vale por dois dias consecutivos.
Referências e Notas Explicativas