Imagine-se percorrendo um caminho centenário pelo meio das montanhas no Japão. O Viver a Viagem caminhou por um trecho muito bem preservado do Nakasendo, uma das cinco rotas oficiais que conectavam Quioto à Edo (atual Tóquio) durante séculos e mostra para você como foi.
O que é o Nakasendo?
O que se conhece hoje como Nakasendo, faz parte de um antigo caminho que ligava Quioto a Edo passando pelo meio das montanhas – vem daí o nome: naka “meio”, sen “montanha” e do “caminho”. Sua designação como caminho oficial e ápice foram durante o período Edo (1600–1868).
Sua origem, contudo, remete ao século VIII como uma das inúmeras rotas centradas ao redor da antiga capital Nara. A rede de caminhos servia para manter o estado japonês unido. Com o tempo, muitos outros surgiram para interligar as cidades. Um deles foi o Kisoji que, futuramente, teve suas 11 cidades agregadas ao Nakasendo – e foi por onde o Viver a Viagem caminhou.
No começo da período Edo, após a unificação do Japão sob o xogunato de Tokugawa, Edo (atual Tóquio) passou a ser o centro político e militar do país. Para conectar ambos os centros algumas mudança foram feitas afim de estabelecer uma eficiente rede de comunicação entre ambas as cidades, servindo como via de transporte de oficiais, espiões, mercadorias especiais, senhores feudais e o próprio xogum. Cinco rotas oficiais foram estabelecidas para estes propósitos, umas delas foi Nakasendo.
As rotas foram cuidadosamente interligadas conectando 69 cidades postos responsáveis por administrar o caminho e prover comida e alojamento para os que o utilizavam.
Ainda nos dias de hoje, é possível encontrar trechos originais do caminho. Alguns foram restaurados e outros se integraram às estradas modernas que interligam o Japão. A seção mais famosa da rota fica no Vale Kiso, entre Tsumago-juku e Magome-juku – trecho, de quase 8km e três horas de caminhada.
Por onde passei
Sempre fui apaixonado por ukiyo-e (xilogravuras japonesas). Ainda quando fazia aulas de japonês lembro de ter visto algumas gravuras de Ando Hiroshige e pensado “será que esses caminhos ainda existem? Que vontade de percorre-los.”
Pois bem, um dia descobri que eles ainda existiam e resolvi inclui-los à minha ida ao Japão. Decidi percorrer parte do Nakasendo junto com o Lufe do Life by Lufe.
Planejei a nossa passagem por lá partindo dos alpes japoneses. Feliz decisão. Passamos um dia em Narai antes de seguirmos para Magome-juku, de onde caminhamos pelos 8km até Tsumago-juku.
Durante o período Edo Narai marcava o ponto intermediário entre Quioto e Edo para os viajantes da Nakasendo. Foi a cidade posto mais rica do Vale Kiso. Suas casas alinhadas e restauradas se estendem por uma distancia muito maior que na maioria das outras cidades postos. Há duas casas abertas ao público, lojas de souvenir, restaurantes, ryokans e minshukus.
As lanternas que iluminam a cidade são as mesmas dos tempos remotos, porém, agora com energia elétrica. Caminhar pelas ruas tanto de dia quanto à noite é algo mágico. Quando estive lá a cidade estava vazia, apenas com japoneses a passear nas últimas semanas do outono.
No dia seguint, seguimos para Magome-juku, para caminhar pela trilha nas montanhas até chegar em Tsumago-juku. Escolhi começar por Magome por ser mais fácil – nesse sentido a caminhada descende, cansando menos.
Para chegar lá, pegamos um trem local até Nakatsugawa e da estação, um ônibus até Magome-juku.
Magome é uma fofura. A rua principal da cidade ziguezagueia morro acima até encontrar o caminho. Na subida, ryokans, restaurantes e lojinhas perfilham o trajeto. A cidade também é conhecida por ser onde o escritor japonês Shimazaki Toson nasceu. Sua obra mais famosa chama-se Yoakemae (Antes do nascer do sol), na qual ele descreve como era a vida na região no começo da Restauração Meiji – acontecimento que marca o fim do xogunato Tokugawa. Foi um período de muitas transformações nas áreas do governo, instituição, educação, economia e religião; transformando o Império do Japão na primeira nação asiática com um moderno sistema de nação-estado.
Escutei um tilintar pelas ruas e até comentei com o Lufe. Muitos caminhavam com um sininho. Ignoramos e seguimos o caminho.
Achava bonitinho quase todos os peregrinos passando por mim com um sino. Imaginei ser uma tradição… até avistar uma placa preta e amarela com um sino maior ao lado.
Finalmente entendi que o sino era, na verdade, para afastar os ursos que ali vivem.
Há sinos a cada tantos metros. A cada encontro, batíamos com força na esperança de ensurdecer qualquer urso que estivesse por perto – quando, na verdade, nós ensurdecíamos.
O caminho é lindo. À época, as folhas de outono estavam mudando de cor. As cores todas se misturavam à floresta e às casas antigas. Os caquizeiros carregados e sem folhas contrastando com o céu azul.
Exatamente nesta curva da foto acima conhecemos o senhor Owaki, um professor de design industrial aposentado que vive ali. Ele nos convidou para conhecer sua casa e Lufe fez um incrível ensaio para o Life by Lufe.
No meio do caminho também encontramos esta senhora debulhando edamame, secando batatas, pimentas e desidratando cogumelos. Seguramente ela tinha mais de 80 anos.
A chegada a Tsumago-juku é muito bonita. Você chega por uma trilha descendente num vale que serpenteia a montanha, passando por casas muito antigas e por ricas texturas de outono.
Tsumago é conhecida por ser uma das cidades postos mais bem preservadas do Japão. A cidade e seus moradores se esforçam para recriar a atmosfera do período Edo. Carros são proibidos de circular pela rua principal; cabos de energia e telefone são escondidos; o honjin e o wakihonjin foram preservados – em todas as cidades postos, o honjin era a hospedaria principal que acolhia os oficiais do governo, se fosse necessário mais alojamento o wakihonjin era utilizado para acomodar viajantes de menor hierarquia -; assim como o estábulo onde os viajantes alugavam cavalos para ajudar na jornada.
Que experiência maravilhosa ter percorrido um caminho tão importante e antigo para a história do Japão. Um caminho que habitou meu sonhos por anos. Um caminho que descobri através de uma xilogravura. Viajar é muito mais do que apenas ir a um lugar, é estar exposto a diversas formas de estímulo e entende-las; é conecta-se com as pessoas, a história, a gastronomia e tudo que nos cerca.
Escolha seu trecho
Ainda é possível percorrer a Nakasendo, porém, muito do seu traçado original já foi pavimentado e as cidades se desenvolveram. Se você busca a atmosfera do período Edo em sua glória, escolha percorrer o trajeto entre Nakatsugawa e Kiso Fukushima; em particular o trecho entre Magome-juku e Tsumago-juku – o mais popular e estruturado.
Abaixo, os trajetos da Nakasendo:
- Quioto a Sekigahara;
- Sekigahara a Nakatsugawa;
- Nakatsugawa a Kiso Fukushima;
- Kiso Fukushima a Nagakubo;
- Nagakubo a Karuizawa;
- Karuizawa a Fukiage;
- Fukiage a Tóquio;
Onde ficar?
Cheiro de madeira e da palha de tatami; silêncio, interrompido apenas pelo som do vento a soprar as folhas pelas ruas vazias; frio de começo de inverno; céu estrelado e a sensação de ter voltado no tempo.
Aproveite para se hospedar numa ryokan ou minshuku centenária. Tive a oportunidade de ficar em duas ryokans com mais de 200 anos cada. Em Narai, ficamos na ryokan Echigoya de 220 anos e desde sempre na família de Yutaka.
Em Tsumago-juku ficamos em outra ryokan.
Como chegar?
Como há muitos trechos e a cada trecho outras tantas maneiras de chegar, selecionei a caminhada de Magome-juku a Tsumago-juku pelo seu valor histórico, estado de preservação e facilidade de acesso.
Imagino que a grande maioria que for percorrer a caminhada entre Magome-juku e Tsumago-juku, no segmento Nakatsugawa-Kiso Fukushima, provavelmente virá de Quioto/Osaka ou Tóquio.
Vindo de Tóquio
Você pode tanto ir de trem bala até Nagoya, e lá trocar por um trem local entre Nagoya e Shijiori, parando em Kiso e pegando um ônibus até Magome-juku; ou um trem expresso até Nakatsugawa, de lá trocar novamente por um trem local até Kiso e pegando um ônibus até Magome-juku.
Ou ainda, optar pelo JR Azusa limited express até Shijiori. De lá, siga para Narai-juku ou vá direto para Kiso e e pegue um ônibus até Magome-juku.
Vindo de Quioto/Osaka
Neste caso, o melhor caminho é ir até Nagoya de trem bala (pela linha Tokaido) e lá trocar por um trem local entre Nagoya e Shijiori, parando em Kiso e pegando um ônibus até Magome-juku; ou um trem expresso até Nakatsugawa, de lá trocar novamente por um trem local até Kiso e pegando um ônibus até Magome-juku.
Vindo de Kanazawa, Toyama ou Nagano
Se estiver em alguma dessas cidades, siga de trem bala até Nagano; troque de trem e siga até Shijiori. Troque mais uma vez de trem e siga para Narai-juku ou vá direto para Kiso e e pegue um ônibus até Magome-juku.
Vindo de Takayama e arredores
Pegue um ônibus direto para Matsumoto e de lá sega até Shijiori. Lá, pegue o trem e siga para Narai-juku ou vá direto para Kiso e e pegue um ônibus até Magome-juku.
Referências e Notas Explicativas