Você provavelmente deve identificar alguma língua estrangeira ao ler ou escutá-la. Imagino que também deve ter curiosidade em conhecer o seu “alfabeto”. Como falantes da língua portuguesa, fomos ensinados a distribuir as letras (grafemas) em alfabetos.
Contudo, sabia que existem outras formas de grafemas (unidade mínima em um sistema de escrita) e diversos sistemas de escrita?
Essa diversidade é interpretada como lógicas diferentes de como estruturar os sistemas de escrita. Em alguns, essa unidade mínima (grafema) representa um fonema (som), outros carregam significados consigo, outros agem apenas como consoantes, outros como sílabas.
Com o decorrer da história cada língua adotou um desses sistemas para se estruturar e se desenvolver. E assim como adotou um certo tipo de sistema de escrita, também se modernizou e incorporou outros. Substituindo ou coexistindo.
Línguas de tradição oral e escrita
Num contexto geral, há no mundo línguas de tradição oral e línguas de tradição escrita.
Nas línguas de tradição oral, os registros sócio-políticos, históricos e religiosos assim como a própria língua são passados via oral. Já nas línguas de tradição escrita, esses registros são passados através de registros escritos.
E ainda, há muitas línguas e culturas de tradição oral que passaram a registrar sua cultura e história através da escrita; seja por adoção própria, seja através de terceiros (colonizadores, influência cultural, mudança estrutural).
Sistemas de escrita
Para que esses registros pudessem acontecer foram criadas formas de escrever em diversos cantos do mundo. Assim, nasceram distintos sistemas de escrita os quais foram adotados pelas línguas de registro escrito do mundo.
Por exemplo, o alfabeto é o sistema de escrita que usamos para escrever a língua portuguesa. Os grafemas dos alfabetos são representados por letras (vogais e consoantes) que combinadas formam palavras.
E como o alfabeto, existem outros tipos de sistemas: abjad, abuguida, silabário e semântico-fonético.
Para não confundir
Há várias línguas no mundo e essas línguas são escritas com diversos sistemas de escrita (alfabetos, abjads, abuguidas, silabários, semântico-fonético). Dentro de cada um desses sistemas de escrita há diversas formas de escritas (tipos de alfabetos, tipos de abjads,…).
O grego, o cirílico, o latino, o armeno, o georgiano são todos tipos de alfabetos.
Assim como o devanagari, o tamil, o ge’ez, o khmer são todos tipos de abuguidas.
Abjads
Os grafemas são representados por consoantes e fazem o leitor deduzir ou acrescentar a vogal apropriada.
Mas como eles sabem?
Ao aprender a língua, durante a alfabetização, os falantes já aprendem a pronunciar a palavra do jeito correto. São línguas que as pessoas aprendem o som da vogal diretamente aplicada a consoante na palavra.
Para facilitar o aprendizado, há um recurso gráfico usado durante o ensino para indicar qual a vogal deve ser pronunciada. São sinais acima e abaixo das consoantes.
Exemplo: a palavra árabe, em árabe, se escreve: العربية e se pronuncia “al-‘arabiya“. Destrinchando a palavra temos: ا nesse caso vai indicar uma vogal + ل l + ع consoante gutural + ر r + ب b + ي i breve + ة a aspirado. Desconhecendo as vogais, leríamos lrbyah.
Lembra dos recursos gráficos (diacríticos) usados para indicar as vogais? Durante o processo de aprendizagem ou em textos que não se pode ter dúvida na interpretação – como o Corão -, esses diacríticos são acrescidos às consoantes. العربية se transforma em اَلْعَرَبِيَّةُ sendo as consoantes graficamente marcadas com vogais.
Diacríticos
É o sistema usado em línguas como: árabe, hebraico, neo–aramaico assírio, e persa/farsi.
Árabe
Hebraico
neo-aramaico assírio
Abuguida
Os grafemas são sílabas com uma vogal intrínseca, e também vogais isoladas. Nesse sistema, para modificar a vogal da sílaba outros grafemas são acoplados antes, depois, acima ou abaixo da sílaba para modificar sua pronúncia.
Exemplo: a palavra cesta em hindi se escreve टोकरी e se pronuncia tokarii. Separando as consoantes temos ट ta + क ka + र ra, todas com a vogal a inerente. Ao acrescentar टो após o ta, a sílaba vira to + क ka + री i prolongado após o ra vira rii.
É o sistema usado em línguas como: tailandês, birmão, hindi, amárico, tamil, khmer, inuktitut, tibetano e maldivense.
Birmão
Hindi
Amárico
Tamil
Khmer
Inuktitut
Maldivense
Alfabeto
É o sistema de escrita que tem nas vogais e consoantes seus grafemas. É o sistema mais amplamente usado para registrar as línguas do mundo.
Exemplo: juntando as vogais e consoantes: a + b + a + c + a + t + e temos a palavra acabate; onde cada letra carrega uma determinada representação fonética e juntas formam uma palavra com sentido.
É o sistema usado por línguas como: português, quechua, swahili, grego, russo, georgiano, armeno e tamazigue.
Português
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Grego
Russo
Все люди рождаются свободными и равными в своем достоинстве и правах. Они наделены разумом и совестью и должны поступать в отношении друг друга в духе братства.
Georgiano
Armeno
Tamazigue
Alfabeto indicativo
Essa variação apresenta determinadas orientações quanto a articulação da boca nos grafemas. Essa especificidade enquadra o hangul (alfabeto coreano) como uma exceção nos alfabetos.
No alfabeto coreano esses símbolos são combinados entre si em blocos silábicos, podendo incorporar até três níveis de representação fonológica.
Para saber mais, leia o post: Como aprender coreano.
Exemplo: em coreano pessoa se escreve 사람 e se pronuncia saram. Repare que a palavra é dividida em dois blocos, um é composto de duas partes e o outro de três partes. A primeira parte é composta por uma consoante e uma vogal ㅅ s + ㅏa que juntas se transformam em sa 사; a segunda parte é composta por uma consoante, uma vogal e mais uma consoante ㄹr +ㅏa + ㅁ m que juntas se transformam em ram 람.
Coreano
Silabário
O japonês é uma língua que tem sílabas, vogais e uma única consoante isolada como grafemas. Contudo, essas sílabas ao invés de incorporarem outros grafemas ao lado, acima ou abaixo; evoluiram em grafemas únicos e distintos para todas as combinações silábicas (vogais e consoantes).
Exemplo: em japonês prédio se escreve 建物 (tatemono) usando os ideogramas (kanji). Contudo, o japonês também usa outros dois silabários para escrever e ao usar um deles (o hiragana) tatemono vira: たてもの. Repare que nessa palavra há duas sílabas com a consoante t, entretanto, elas têm grafemas distintos. T + a = ta た; t + e = te て; m + o = moも; n + o = no の.
Cada sílaba tem um grafema.
O cherokee e o yi também são línguas que se enquadram nesse sistema.
Japonês
Cherokee
Yi
Semântico-fonéticos
São sistemas que contém um significado inerente em seu grafema. É o caso dos ideogramas, usados para escrever o mandarim e diversas outras línguas chinesas; além dos ideogramas usados no coreano e japonês.
Exemplo: em mandarim empatia se escreve 同情 e se pronuncia tóngqíng.
同 significa mesmo, similar ou junto,情 pode significar sentimento, emoção, condição. Empatia é sentir junto, partilhar a emoção.
Quanto à fonética, os ideogramas não necessariamente a indicam, mas podem guiar a conclusões lógicas. Como os ideogramas são formados pela junção de radicais (exemplo: qíng 情 é a união de xīn心 com qīng青), algumas pronúncias podem ser deduzidas se o falante conhecer a pronúncia dos radicais. Porém, isso não é uma regra. E além da pronúncia, é necessário conhecer o tom correto a ser usado, do contrário o significado muda.
Mandarin
人人生而自由﹐在尊嚴和權利上一律平等。他們賦有理性和良心﹐並應以兄弟關係的精神互相對待。
Fonético
Grafemas foram criados especificamente para designar fonemas. É o caso do alfabeto fonético internacional IPA (International Phonetic Alphabet), que retrata todos os fonemas conhecidos e existentes nas línguas.
É o alfabeto utilizado nos dicionários para indicar a pronúncia das palavras. É, também, um excelente aliado no aprendizado de línguas estrangeiras pois pode ser usado como ferramenta complementar para masterizar a pronúncia.
Exemplo: em inglês a palavra internacional se escreve international. Com o alfabeto IPA transcreve-se: ˌɪntə(ː)ˈnæʃənl. Por ser um alfabeto fonético ao lê-lo conseguimos pronunciar a palavra muito próxima como se diz na língua nativa.
IPA em inglês
ɔːl ˈhjuːmən ˈbiːɪŋz ɑːr bɔːrn friː ænd ˈiːkwəl ɪn ˈdɪgnɪtiː ænd raɪts ðeɪ ɑːr enˈdaʊd wɪð ˈriːzən ænd ˈkɑːnʃəns ænd ʃʊd ækt təˈwɔːrdz wʌn əˈnʌðər ɪn ə ˈspɪrɪt əv brʌðərˌhʊd
Línguas com mais de um sistema de escrita
Com o a diluição das fronteiras físicas e virtuais num mundo globalizado e conectado, culturas se tornaram mais permeáveis umas às outras. E acabaram adotando elementos culturais, estrangeirismos, neologismos e até sistemas de escrita.
Algumas línguas podem usar mais de um sistema de escrita ao mesmo tempo, como o japonês. Há dois silabários, ideogramas (semântico) e entende-se bem o alfabeto latino por razões culturais e econômicas. Numa frase em japonês todos esses sistemas podem estar juntos.
Há chineses falantes de mandarim que também podem ter uma segunda língua materna minoritária e, ainda, conseguem se comunicar com pinying (a romanização do mandarim).
Há falantes do árabe (e seus diverso dialetos) que podem, também, falar outra língua oficial ou minoritária do país. Como marroquinos que falam espanhol, francês ou tamazigue e conseguem escrever todas as línguas com os dois sistemas de escrita (alfabeto e abjad).
Abjads como abuguidas
Alguns desses sistemas podem ser usados de uma outra forma por uma determinada língua. Por exemplo, o abjad árabe quando usado na língua uyghur, obriga a indicação das vogais na escrita, atuado como um abuguida. O mesmo acontece como o curdo iraquiano.
Fonte de conhecimento
Gostou de conhecer um pouco mais sobre os diversos sistemas de escrita? Adoro usar o site Omniglot e acredito ser uma fonte rica em informações sobre línguas. Acesse o site para saber mais sobre as línguas e suas escritas.